quinta-feira, 4 de julho de 2013

Coisas que escutei em um dia de vida

Ontem, quarta-feira, foi um dia em que escutei coisas incríveis e de pessoas que pouco conheço, mas que de alguma forma afetam minha vida se pensarmos que o universo está conectado por vários pontinhos especiais.

Logo cedo, ouvi: Você é uma menina mimada.

Depois fui caminhar um pouco numa região central de SP, e escutei milhares de outras coisas.
Um senhor que nunca vi antes estava ajoelhado na calçada, com um caixote a sua frente. Em cima do caixote havia um potinho pra que, quem tivesse algum tempo, deixasse alguns centavos.

Decidi então fazer mais que isso, resolvi conversar com ele.
Eu: Como o senhor se chama?
Ele: XYZ
Eu: E o senhor mora por aqui?
Ele: Não, moro em Guarulhos.
Eu: Arrasou, minha mãe mora lá! Eu também vivi lá por anos.
Ele: riu!
Eu: E porque vem de tão longe? Até que horas fica aqui?
Ele: Ahh, lá em Guarulhos não tem como fazer isso, é tudo muito lotado. Eu gosto de ficar assim sozinho pedindo meu dinheiro. Fico aqui até umas quatro.
Eu: E pra que o senhor precisa do dinheiro?
Ele: Pra comprar meus remédios.
Eu: Entendi... toma muitos?
Ele: Muitos. Olha só a lista...

Ele então saca uma lista organizada do médico, um receituário, um envelope cheio de exames recentes.

Eu: Caramba!!! Vou te ajudar. O senhor trabalhava com o que antes de vir pra cá?
Ele: Com o pessoal do movimento do sem terra... era um pegando terra do outro.
Eu: Caraca. E a suas pernas, o que aconteceu? Notei que ele usava uma espécie de bota.
Ele: Ahh, isso aqui foi queima de arquivo, eu sabia demais.
Eu: Pesado isso hein... que complicado. Difícil. E o senhor mora sozinho?
Ele: Moro, mas tenho um cachorro.
Eu: E como ele se chama?
Ele: Juju.
Eu: Mas isso é um nome feminino. Falei rindo.
Ele: É... mas eu tô quase dando ele. Ele é muito bagunceiro, come tudo meus calçados.
Eu: ri.

E por aí foi...

Andando mais um pouco, encontrei um poeta barbado. Ele olhou pra mim e disse:
Ele: Você se interessa por poema?
Eu: Sim.
Ele: Você é muito bonita sabia!!
Eu: Obrigada.
Ele: Você trabalha com o que? O que você faz?
Eu: não importa.
Ele: importa sim...
Eu: com XYZ...
Ele: entendi... isso é importante!
Eu: é sim.

Peguei o folheto que ele entregava e depois de um tempo li ao final de um poema:
"... e rir pois tudo é brincadeira
que cada drama
é só nosso modo de ver a vida
só está nos mostrando aquilo
que estamos criando
com o nosso poder de crer."
Antônio L. Júnior

Não é que faz sentido?

Enquanto fazia as unhas (artigo de luxo pra mim), conversei com a manicure:
Ela: ...a minha filha vive com qualquer roupa, umas calças largas, um moletom.
Eu: Quantos anos ela tem?
Ela: 16.
Eu: Aposto que anda na maior parte do tempo, desgrenhada também. E ri.
Ela: ahãaam. E riu.
Eu: Eu era assim também, passava o final de semana inteiro de pijama, enquanto as garotas da minha idade estavam atrás de namoradinhos... eu tinha coisa melhor pra fazer: dormir. E ri.
Ela: Ahhh, eu também prefiro, se não vira uma piriguete. Mas será que é isso... falta de interesse nos meninos?
Eu: Ri, e pensei 'a essa altura ela acha que sou lésbica, ainda mais com esse meu cabelo curto'.

Ao voltar pra casa ouvi no rádio do carro 'Roxette' cantando, e aumentei o volume. Dizia:
Listen to your heaaaaaart! Traduzindo:
"Ouça seu coração
Enquanto ele está chamando por você
Ouça seu coração
Não há nada mais que você possa fazer
Eu não sei para onde você está indo
e não sei por quê,
Mas ouça seu coração
Antes que você diga-lhe adeus"

Pensei: Que bom que não sou a única que não sabe pra onde está indo - afinal ela canta pra várias pessoas.

E ai, ao chegar em casa, resolvi rever um filme lindo, chamado 'Histórias Cruzadas', que conta como as pessoas podem ser perversas e o quanto podem ser magníficas. Há várias empregadas negras no filme, que lutam pra não serem destruídas diariamente. Uma delas é a Constantine, ela é a babá de uma menina chamada Skeeter... e lá pelas tantas Constantine lhe dá um conselho:

"Todos os dias, quando acorda de manhã, quando não está embaixo da terra, você tem que tomar decisões. Tem que se perguntar: Vou acreditar em todas as coisas ruins que os tolos vão dizer sobre mim hoje? (…)"

Fui dormir chorando... e coloquei o devido peso em cada uma das coisas que ouvi.