quarta-feira, 3 de abril de 2013

Um São Sebastião de massinha

Lembra quando você fazia um desenho bem bonito na escola e dava pra alguém que amava? Bem bonito é forma de dizer, você pintava a vaca de verde, a nuvem de laranja e fora do contorno (e não entendo porque não pode). 

Lembra de quando você fazia um boneco ou um cachorro de massinha, com as cores todas misturadas de preferência, deixava secar e dava pra sua vó?

Lembra de quando você fazia um cartão lindo (de viver, como diria a Hebe) pro dias das mães, cheio de brocal, lantejoulas, gliter e palitinhos de sorvetes que você guardou durante um mês porque a professora pediu? Aí no dia das mães, você com brilho até o rim, ia cheio de entusiasmo entregar o cartão: mãaaae, eu que fiz!

Se lembra disso tudo, deve lembrar de quando ia brincar na rua depois da escola com todo mundo que aparecia e até com os amigos imaginários. Você se esborrachava, se ralava inteiro e voltava cheio de hematoma, mas não se importava se era porque alguém sem querer te empurrou de cara pro muro durante o jogo de queimada. Aposto também que você não sabe hoje, e talvez nem na hora, quais eram as cores ou a idade de cada um. Ou se o cabeludo era na verdade uma menina, e se a menina de cabeça raspada era na verdade um menino. Piolho? Raspa!

Aaah, tem outra coisa. Se lembra quando no colégio você podia levar o seu brinquedo predileto em um determinado dia da semana? Nunca lembro o que levei, mas sei que levei. Ao chegar o tão esperado dia dos brinquedos, você não se importava em trocar com seus amigos. Seu brinquedo estava em boas (e pequenas) mãos.

Lembra também da hora do soninho no colégio? Com isso, você e eu aprendemos a confiar. A confiar que estaríamos protegidos ao fecharmos os olhos num lugar que não era a nossa casa e que certamente tinha mais de dois adultos. Aprendemos a confiar e a esperar que quando acordássemos, alguém amoroso teria preparado um lanchinho gostoso.

Lembra quando você aprendeu a andar de bicicleta? Alguém te segurou até você receber um recadinho de Deus dizendo que você sem dúvida, já podia tirar as rodinhas. Nessa hora, você só queria que alguém que você confiasse e que não mentisse pra você (falando que está segurando a garupa sem estar) soltasse muito lentamente a bicicleta, de preferência numa ladeira, pra você também já se gabar de ter aprendido "sozinho" a andar de "bike".

Existem muitos outros aprendizados que levaremos delicadamente conosco até podermos repassar.
No entanto, em todos esses, existe uma coisa em comum, além do fato de você na época ser criança: você estava aprendendo a aprender.

E tem me parecido que agora é a minha hora de voltar a aprender como aprender. E talvez seja a sua hora também.

Não sei, mais deve ter sido ontem que as coisas mudaram e não percebi. Ontem não tínhamos preconceito. Hoje temos um monte. Aprendendo a aprender: isso não nasceu e nem veio de você.

Você foi pra escola, pra casa sua e da vó e aprendeu que tudo bem pintar desenhos de cor diferente das que vemos - se aquilo é só papel e não existe mesmo, é uma boa ocasião pra acessar seus desejos. Aprendeu que misturar é legal, e que o boneco de massinha vai entender bem o fato de'le ter a cara meio marrom com pintas azuis e as pernas vermelhas com laranja.

Aprendeu também que "mais ainda é pouco", e que você poderia ter colocado mais gliter, mais brocal, mais lantejoulhas e mais palitos no cartão de dia das mães. Misturar é mesmo muito inteligente.

Aprendeu que na escola com seus brinquedos ou na rua com os amigos reais ou imaginários, o importante é compartilhar, e não segregar, separar, dividir, questionar ou classificar.

Aprendeu a confiar no outro, seja na hora do soninho ou ao aprender (sozinho) a andar de bicicleta. Quem estava lá? Não importa. Certamente alguém que te amava.

Passamos anos na infância. Anos naqueles anos. Algumas pessoas que conheço estão neles até hoje.
E porque será que não aprendemos ou que esquecemos que as escolhas amorosas do outro são tão genuínas e legítimas hoje quanto as suas quando criança?
Porque você escolhia misturar as massinhas vermelha e marrom? Tecnicamente não combina.

Então o que penso agora e acho que sempre pensei, é que todo mundo que passou por esses aprendizados e escolhas, pode "aprender a aprender a entender" que menina com menina e menino com menino dá a mesma soma que menina com menino.

Acho que gosto de São Paulo, gosto de São João, gosto de São Francisco e de São Sebastião. E eu gosto de meninos e meninas. Viva "a" legião urbana que se faz feliz. Viva a Daniela Mercury que trocou alianças.

Se vira com isso: você aprendeu lá atrás, que misturar, fugir do contorno, usar mais recursos coloridos é fantástico! Porque quer esquecer disso?

Eu nessa estrada pequenininha me sinto com o pulmão cheio de ar poderoso e potente, sempre que escuto que alguém teve a coragem (construída ou emprestada) ou a delicadeza de compartilhar com o mundo que quem segura a sua mão na maior parte do tempo é São Paulo, São João, São Francisco, São Sebastião, é menino ou menina. Tanto faz. Porque amor... tanto faz, desde que venha e vá, desde que circule.



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