segunda-feira, 10 de junho de 2013

Sagrado coração

Nunca tive o sonho dourado de me vestir de branco, entrar numa igreja segurando um buquê que histericamente cinco meses antes do casamento, mandei produzir depois de inúmeras pesquisas.
Da mesma forma, o sonho que vem depois desse também nunca foi um sonho: ter filhos.

Quando eu dizia isso anos atrás, muita gente dizia: "é que ainda não bateu o instinto maternal... mas você vai ver, depois dos 30, você recebe um chamado."
Bom, estou nos 32, e até agora nada de chamados ou instintos maternos batendo a porta. Ou vai ver a campainha pifou.

Como não ligo pra idade, não tenho essa preocupação de 'estar quase nos 40'.
Não sei quando um filho virá, mas em mim, tenho muitas outras certezas a respeito de quando ele vier.

Outro dia almoçando em um restaurante, notei que uma mesa externa estava sendo ocupada por vários casais com seus filhos. Filhos já grandes, acho que de uns 8 anos pra cima.
Como de praxe, os casais sentaram-se de um lado, e os filhos do outro. Devia ter umas 10 crianças.

Para minha surpresa, todas elas sacaram da cartola, seus iPads com capas coloridas.
As meninas grudavam rosto com rosto e tiravam uma foto, que posso apostar, eu visualizaria no facebook 2 segundos depois, fosse eu amiga delas. Os meninos certamente jogavam algo, uma vez que um passava o iPad pro outro e fazia cara de alegria ou tristeza a cada 5 minutos. O engraçado era que o menino que passava o iPad pro colega, ficava extremamente entediado e ansioso até pegá-lo de volta. Deus nos livre de ter algum tempo livre, sem nenhum entretenimento!

O que senti naquela hora, é que aquelas crianças esqueceram o caminho.
Pensei: Minha vontade é chamar aquele grupinho e fazer uma roda de dança circular ou jogar escravos de jó com os iPads... todos nós sentados em roda, rindo, cantando e errando.

Elas esqueceram o caminho. E isso é triste.
Quanto aos pais, eles tem o próprio caminho pra buscar, e graças a alguns santos protetores existe iPad e outras tecnologias pra salvá-los da luta que é ter que divertir uma criança.

Aquelas crianças não saberiam brincar, se divertir e se distrair com coisas do mundo. Elas nunca aprenderam. E quando digo que elas esqueceram o caminho, é porque acho que ao nascer cada criança carrega consigo um conhecimento profundo e delicado do que é se divertir na terra.
É natural, vem no kit recém-nascido.

Daí, que a gente se encarrega de apresentar uma série de distrações que piscam, dançam, cantam e o mais importante, funcionam em looping - porque isso sim é a salvação dos pais.
Aperte o play, dê replay! Mal sabem elas que não dá pra dar replay em muitas outras coisas - as coisas que elas não estão vendo, enquanto se distraem com a desatenção dos adultos.

Isso deve ter a ver com o que ouvi hoje na TV sobre regras e limites para crianças. Uma mãe disse pra uma médica: "Minha filha é uma santa na escola, mas em casa ela me bate e me desrespeita."
Ao que a médica respondeu: "Quando a criança é muito pequena, cabe aos pais impor os limites e mostrar quem é a autoridade."

Na minha concepção, isso não vai dar certo. Não mesmo.
Duas palavras me chamaram a atenção: impor e autoridade.
Em nenhum relacionamento, e tenho certeza que nem entre pais e filhos, a imposição e a autoridade levam a caminhos de valor. E aí que conseguimos impor até nossa tecnologia pra quem ainda não sabe nem o nome de dez cores de cor.

Acho que se começa errado quando se acredita que é possível construir relações poderosas de amor, usando a ameaça e o medo. Quando se deseja impor um sistema pessoal de crenças em quem acabou de vir ao mundo. Meu sistema de crenças é valioso pra mim, mas não é o único, e de outros pontos de vista, como o do meu filho, pode estar bem errado.

Bom, e aí sempre tem gente pra dizer que se você não impuser regras ou se não 'conectá-lo' ao mundo (afinal hoje, tecnologia é muito importante!), ele vai crescer achando que pode fazer o que quiser ou vai ser um alienado.

Meu pensamento é de outra ordem. Vem de um lugar, onde acho que sim, ele poderá fazer o que quiser, se for guiado pelo coração e pela quase sempre ignorada, intuição.

Não sei quando terei um filho, mas sei que desejaria profundamente que ele conhecesse coisas mais interessantes, coisas que um brinquedo moderno nunca vai oferecer. E sei que quero que ele não se distraia com a minha desatenção, e sei que quero que ele saiba o caminho de volta, que ele saiba se encontrar e se 'conectar' sem precisar de wi-fi - usando apenas o sagrado coração que ele trouxe do céu. Quero que ele saiba que sempre que olhar pra mim, meu olhar vai estar pronto e nunca distraído.

Gostaria que ele descobrisse quanta coisa dá pra fazer com papéis, cola e canetinha colorida.
Que ele soubesse quanta diversão se consegue ter só usando o próprio corpo: estrelinhas, cambalhotas, saltos gigantes, danças engraçadas acompanhadas de sons criados por ele mesmo.

Não sei como é ser mãe, e isso são só desejos... Mas gostaria que ele soubesse que é um ser fantástico, brilhante e criativo... e que um iPad ou a minha autoridade não deveria nunca substituir o nosso olhar de amor um pro outro.

4 comentários:

  1. Filha querida, lí isso e fiquei emocionada para variar...rss
    Sei que dará uma ótima mãe, que vc vai educar diferente, ensinando coisas do tipo, sujar-se na terra, pisar na grama, andar descalço, pendurar na árvore...etc! Ainda bem que na sua geração não havia tanta tecnologia, né. Amo vc profundamente, bjs

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  2. Oi Fê ! Que lindo ! Amo muito tudo isso.. rsrsrs. Com certeza as crianças hoje em dia esqueceram o caminho ou melhor, a pessoa que deveria fazer lembrar não esta lá para isso porque tem muitas outras coisas importantes para fazer. As vezes me sinto um peixe fora d´água, pois como não concordo com crianças em meio a tanta tecnologia, fico a pensar infinitamente a verdadeira razão de ser criança. Criança é criança, é fazer birra, brincar, pular, chorar, por mais que isso nos irrite as vezes. Educo conforme penso e não conforme li em uma revista, tenho erros, mas posso ter certeza que fiz o melhor, ri chorei, brinquei e me estressei junto com os pimpolhos.. rsrs. E você quando for mãe, ou tia ou amiga vi ser esse ser maravilhoso e gentil que tive o prazer de conhecer. Parabéns por escrever palavras tão bonitas e que todos deveriam ler....... Bjossss

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  3. Oi mami!!!
    Que bonitinho tudo que escreveu! Também amo muito você!
    Espero criar um bebê com liberdade.
    E ainda bem não tinha mesmo muita tecnologia na minha época...aproveitei! rsrs
    Beijos

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  4. Jaque,
    Que delícia suas experiências!
    E acho que é disso que tava falando mesmo: criar como se acha que se deve...e não como na revista. Você tem toda razão!
    Eu imagino como deva ser se sentir um peixe fora d'água... porque eles devem ser insuperáveis e te trazer coisas novas a cada segundo... mas tenho a intuitiva certeza, que vc faz uma excelente criação!
    Obrigada por todos os elogios!
    Beijocas, Fe

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