quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

O escuro tem medo da gente também

Hoje, depois de estacionar o carro na garagem do condomínio, andando em direção ao meu bloco, ouvi ‘oi, você é de que bloco?’. Até olhei pra trás, achei que não era comigo.

Um menino, que deve ter seus 10 anos, tava falando era comigo mesmo. Eu que não enxergo lá muito bem, espremi os olhos pra tentar ver a cara dele direito.
Chegando perto dele, eu perguntei se ele tava falando comigo - ele disse que sim, e repetiu: você mora onde? Eu falei, moro no bloco 25, ele disse ‘eu também’ e veio andando ao meu lado, me acompanhando. Falei: você é o famoso Pedro Henrique, né?
E ele com cara de curioso, de quem não acreditava em como eu adivinhei aquilo, perguntou: como você sabe??!!
Pausa pra explicar: o Pedro Henrique é o nome mais chamado no condomínio, dez em cada nove crianças gritam esse nome o dia todo embaixo das janelas do bloco. A mãe dele, que sofre de histeria crônica, tem como diversão inserir um extenso acento circunflexo no ‘que’ do filho: Pedro Henriquêêêêê! E posso dizer com segurança que o Pedro já perdeu cerca de 40% a 50% do tímpano.
Enfim, minha resposta pra pergunta dele foi: eu sei porque escuto o pessoal te chamando.
A conversa foi tomando nosso tempo... acho que ele concorda comigo que é muito chato andar e não falar nada com o outro.
Eu quis saber porque é que ele queria saber onde eu morava, e porque estava me acompanhando lado a lado. Tá sem chave? – Perguntei. Ele disse que não, e no caminho pro nosso bloco, contou: Ahhh, porque eu tava com medo.
Fiquei surpresa: medo de que? Tipo, de alguns animais ou algo como um espírito?
Ah, sei lá, ele respondeu. Fiquei pensando. Quantos ‘sei lás’ um menino daquela idade pode conhecer? Porque quando a gente diz isso, significa um monte de coisas. Significa: sei lá, medo de ficar sozinho, de magoar as pessoas com as nossas decisões, de dormir e não acordar, de acordar e nunca mais dormir, de não ter grana pra pagar as contas ou forças pra tomar banho.
Eu não sosseguei: Como assim sei lá, você falou que estava com medo e agora não está mais?
E ai vi que ele se envergonhou de ter falado uma verdade tão sincera pra alguém que ele mal conhecia – e que eu, àquela altura devia estar pensando que ele era um frouxo.
Insisti, e nada. Ai joguei meu tapete: eu também tenho medo sabia?!
A diversão estava garantida. Ele todo curioso com cara de quem diz ‘e agora, quem é o frouxo aqui hein’ – perguntou então: Ah é! De que?
Vendo todo aquele breu a nossa frente, falei pra ele a mesma coisa que ele teria me dito 15 segundos atrás... se não ‘fosse’ frouxo. Respondi: tenho medo de escuro. Ele concordou: eu também! Comentei que aquele seria nosso segredo, e ele falou que já tinha contado isso pra namorada dele, e dando tchau, subiu pro apartamento dele.
Fiquei pensando em como é difícil saber do que temos medo. As vezes é muito concreto, por exemplo, se nos depararmos com um leão esfomeado. As vezes não é escancarado assim... pode ser que o medo venha vestido de alguém independente, que nos deixa de canto por algumas horas. Ou pode vir vestido de milhares de desculpas, o suficiente pra perdermos a coragem de mudar. Pode vir com cara de sucesso ou de fracasso, e seremos muito fracos ou muito fortes pra encarar, respectivamente.
Eu tenho medo de errar na mão, de refletir demais sobre tudo, de ser prática e confusa, de perder o romantismo (e o romance), de me tornar cruel demais, de ser mais do mesmo. Tenho medo de que as pessoas se percam em tristezas eternas, daquelas que duram a vida toda. Tenho medo de ser mulher padrão, mãe padrão (cronicamente histérica), esposa padrão, amiga padrão, funcionária padrão. Faz bem feito, é eficiente, e só. Tenho medo de perder o olhar especial sobre as coisas e achar que tudo é comum. E a única coisa comum, é ter medo.
Que o Pedro Henriquêêê não perca os outros 60% do tímpano, nem o medo que leva no coração.

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