Um menino, que deve ter seus 10 anos, tava falando era
comigo mesmo. Eu que não enxergo lá muito bem, espremi os olhos pra tentar ver
a cara dele direito.
Chegando perto dele, eu perguntei se ele tava falando comigo
- ele disse que sim, e repetiu: você mora onde? Eu falei, moro no bloco 25, ele
disse ‘eu também’ e veio andando ao meu lado, me acompanhando. Falei: você é o
famoso Pedro Henrique, né?
E ele com cara de curioso, de quem não acreditava em como eu
adivinhei aquilo, perguntou: como você sabe??!!
Pausa pra explicar: o Pedro Henrique é o nome mais chamado
no condomínio, dez em cada nove crianças gritam esse nome o dia todo embaixo
das janelas do bloco. A mãe dele, que sofre de histeria crônica, tem como
diversão inserir um extenso acento circunflexo no ‘que’ do filho: Pedro
Henriquêêêêê! E posso dizer com segurança que o Pedro já perdeu cerca de 40% a
50% do tímpano.
Enfim, minha resposta pra pergunta dele foi: eu sei porque
escuto o pessoal te chamando.
A conversa foi tomando nosso tempo... acho que ele concorda
comigo que é muito chato andar e não falar nada com o outro.
Eu quis saber porque é que ele queria saber onde eu morava,
e porque estava me acompanhando lado a lado. Tá sem chave? – Perguntei. Ele
disse que não, e no caminho pro nosso bloco, contou: Ahhh, porque eu tava com
medo.
Fiquei surpresa: medo de que? Tipo, de alguns animais ou
algo como um espírito?
Ah, sei lá, ele respondeu. Fiquei pensando. Quantos ‘sei
lás’ um menino daquela idade pode conhecer? Porque quando a gente diz isso,
significa um monte de coisas. Significa: sei lá, medo de ficar sozinho, de
magoar as pessoas com as nossas decisões, de dormir e não acordar, de acordar e
nunca mais dormir, de não ter grana pra pagar as contas ou forças pra tomar
banho.
Eu não sosseguei: Como assim sei lá, você falou que estava
com medo e agora não está mais?
E ai vi que ele se envergonhou de ter falado uma verdade tão
sincera pra alguém que ele mal conhecia – e que eu, àquela altura devia estar
pensando que ele era um frouxo.
Insisti, e nada. Ai joguei meu tapete: eu também tenho medo
sabia?!
A diversão estava garantida. Ele todo curioso com cara de
quem diz ‘e agora, quem é o frouxo aqui hein’ – perguntou então: Ah é! De que?
Vendo todo aquele breu a nossa frente, falei pra ele a mesma
coisa que ele teria me dito 15 segundos atrás... se não ‘fosse’ frouxo. Respondi:
tenho medo de escuro. Ele concordou: eu também! Comentei que aquele seria nosso
segredo, e ele falou que já tinha contado isso pra namorada dele, e dando
tchau, subiu pro apartamento dele.
Fiquei pensando em como é difícil saber do que temos medo.
As vezes é muito concreto, por exemplo, se nos depararmos com um leão
esfomeado. As vezes não é escancarado assim... pode ser que o medo venha
vestido de alguém independente, que nos deixa de canto por algumas horas. Ou
pode vir vestido de milhares de desculpas, o suficiente pra perdermos a coragem
de mudar. Pode vir com cara de sucesso ou de fracasso, e seremos muito fracos
ou muito fortes pra encarar, respectivamente.
Eu tenho medo de errar na mão, de refletir demais sobre
tudo, de ser prática e confusa, de perder o romantismo (e o romance), de me
tornar cruel demais, de ser mais do mesmo. Tenho medo de que as pessoas se
percam em tristezas eternas, daquelas que duram a vida toda. Tenho medo de ser
mulher padrão, mãe padrão (cronicamente histérica), esposa padrão, amiga
padrão, funcionária padrão. Faz bem feito, é eficiente, e só. Tenho medo de
perder o olhar especial sobre as coisas e achar que tudo é comum. E a única
coisa comum, é ter medo.
Que o Pedro Henriquêêê não perca os outros 60% do tímpano,
nem o medo que leva no coração.
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